Agosto Dourado: a amamentação e a enfermagem de ouro

Há 30 anos a OMS junto a UNICEF firmou um compromisso para fortalecer, apoiar, promover e proteger o aleitamento materno, e, desde 1992 a Aliança Mundial de Ação Pró-Amamentação (WABA) anualmente promove a Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM), onde ações pró-amamentação são intensificadas. A WABA traçou como meta até 2025 que pelo menos 50% das crianças sejam amamentadas até os 6 meses de vida. Sabemos dos benefícios da amamentação para as crianças e para as mães, as evidências científicas são unânimes em apontar o leite materno como padrão ouro em nutrição exclusiva para bebês até os 6 meses de idade e prolongada de forma complementar até 2 anos ou mais. Eis a razão por se denominar “Agosto Dourado” o mês dedicado a discutir o tema mundialmente.

O tema da SMAM deste ano é: Apoiar a amamentação para um planeta mais saudável. Tema que vem perfeitamente ao encontro do momento que estamos vivendo. É notório o impacto negativo do homem ao meio ambiente, tanto que estamos vivendo uma pandemia resultante deste comportamento destrutivo do ser humano. Ao lançar este tema, a WABA propõe uma reflexão não apenas sobre os impactos do homem ao meio ambiente, mas de toda cadeia produtiva que envolve a não promoção do aleitamento materno. Para produzir uma lata de leite artificial, se utiliza 1000 litros de água potável, além dos resíduos que são produzidos e descartados em toda cadeia produtiva, as morbidades que se deixa de prevenir na primeira infância e durante toda vida e os lucros estratosféricos da indústria do leite artificial em detrimento da saúde de populações inteiras são apenas alguns exemplos de como o apoio, promoção e proteção da amamentação poderiam impactar positivamente o meio ambiente e a vida de cada indivíduo que tem o privilégio de ser amamentado. Digo privilégio, pois a taxa de amamentação exclusiva até os 6 meses de vida do nosso país é de 54 dias. Poderia escrever muitas páginas a respeito dos motivos que levam ao desmame precoce em nosso país, como licença maternidade insuficiente de 4 meses enquanto o próprio Ministério da Saúde orienta que se amamente exclusivamente por 6 meses; questões étnicas e sociais como discriminação de gênero e racial (mulheres em idade fértil e negras são mais demitidas e têm menos acesso a empregos formais que homens brancos); questões socioeconômicas (mulheres recebem salários menores em relação aos homens e mulheres pobres têm menores taxas de aleitamento materno) e questões de acesso a saúde e informação, onde compete a nós profissionais da enfermagem grande parcela de responsabilidade na promoção, apoio e proteção do aleitamento materno.

Se observar as grades curriculares dos cursos de graduação em enfermagem, observa-se que as disciplinas que se ocupam da saúde do binômio mãe-bebê não chega a 19% da carga horária total. Se dentro dessas disciplinas calcularmos o quanto se discute aleitamento materno e as políticas públicas que envolvem o tema, constata-se que este percentual cai para menos de 6%. Chega-sei a este resultado simplesmente observando a grade curricular da maior universidade federal do Rio Grande do Sul. Sendo assim, é difícil acreditar que um enfermeiro recém-formado tenha habilidade ou conhecimento científico suficiente para apoiar, proteger e promover a amamentação.

Indo mais além, a maioria dos enfermeiros recém-formados é absorvida pelo sistema único de saúde, principalmente na atenção básica. Área de atuação crítica e linha de frente na promoção, apoio e proteção do aleitamento materno, pois é neste cenário que se encontra a maior parte da população em risco e que merece olhar atento e ações diretas para prevenção de problemas e agravos de saúde.

Além da nossa formação limitada, há ainda as condições de trabalho desiguais Brasil a fora. Apesar de uma ampla legislação que nos apoia e protege, não há condições definidas para jornada de trabalho e um piso salarial digno. As políticas públicas para formação e aprimoramento de profissionais do SUS nunca esteve tão limitada, pois além da oferta reduzida de cursos de pós-graduação e de aperfeiçoamento públicos e gratuitos, o profissional encontra dificuldade para conciliar sua extensa e mal paga jornada de trabalho com longos períodos de formação e mensalidades onerosas para seu orçamento.

Que o mês de agosto (e todos outros meses do ano) seja de luta não apenas pela amamentação, mas que seja também de luta por uma enfermagem de ouro. Somente assim haverá condições de apoiar, promover e proteger o aleitamento materno de fato.

Nanucha Teixeira da Silva

Mãe de duas gurias amamentadas até os dois anos de idade

Enfermeira assistencial no Hospital Fêmina (GHC) desde 2010.

Consultora em Aleitamento Materno

Enfermeira Obstetra pela Unisinos

Mestre em Psiquiatria pela FAMED UFRGS

Enfermeira pela UFRGS

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