A presença negra na Enfermagem
A enfermagem é uma categoria profissional formada majoritariamente por mulheres, articulada com a história de luta e resistência das mulheres negras. No Brasil, a organização da enfermagem passou por um período de cuidados não institucionalizados, onde as mulheres negras, na época e na herança do sistema escravista, realizavam as diversas atividades domésticas, cuidavam de crianças como babás e amas de leite, assistência aos doentes e velhos, faziam partos e cuidavam dos recém-nascidos.
Com o advento das Santas Casas de Misericórdia no Brasil Colônia, mulheres escravizadas tiveram papel relevante. Treinadas por religiosos, eram obrigadas ao exercício da obediência, abnegação e espírito de serviço.
O final do século XIX é marcado por determinantes acontecimentos no cenário político, social e econômico. O movimento abolicionista consegue por fim ao comercio de negros e negras e a república passa a ser a nova forma de governo, fomentando o movimento migratório da Europa, reforçando os pressupostos da Eugenia, movimento vindo da Europa que legitimava as idéias racistas e discriminatórias.
No século XX, os ventos da enfermagem ¨moderna¨, chegam até nós, tendo como referência Florence Nightigale, jovem inglesa e rica, modelo de devotamento sublime. Assim, nasce a Enfermagem Moderna Brasileira, sob a égide da eugenia, dando status científico ao racismo por meio de uma doutrina que inspirou governos e intelectuais de todo o mundo. Maria José Barroso, mulher negra de Limeira- São Paulo, conhecida como Maria Soldado alistada como enfermeira no movimento armado de 1932 que visava a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas e a instituição de um regime constitucional após a supressão da Constituição de 1891 pela Revolução de 1930, viveu este contexto histórico, sem qualquer reconhecimento.
Assim, quando a enfermagem se tornou profissional, foi negado às mulheres negras o acesso à escolarização por não estarem nos padrões da representação social construída, sendo encaminhadas às funções técnicas de nível médio de formação.
A pesquisa sobre o Perfil da Enfermagem no Brasil, um dos diagnósticos mais amplos sobre a profissão de enfermagem realizada na América Latina, mostra que a enfermagem do Brasil é composta por 53% de negros e negras. Desde a época em que a enfermagem brasileira foi conceituada como moderna até hoje, houve empenho de segmentos da sociedade civil organizada em desenvolver políticas públicas que reparassem o longo período de tempo em que o acesso da população negra à educação, foi negado.
Vivemos numa estrutura social, marcada pelo conjunto de ideias senhoriais e escravistas, presentes no coletivo social, determinando as relações de poder e hierarquia. Ainda assim, é possível encontrar mulheres negras professoras doutoras e titulares em Escolas de Enfermagem.
Cabe a cada profissional da enfermagem, seja ou não negro, tornar pública a história da trajetória da população negra, que por nossa força e resistência, conseguimos mantê-la viva. A pesquisa e a inclusão desta história nos currículos acadêmicos é o caminho para que os profissionais negros da enfermagem saiam da invisibilidade.
Maria Lúcia Pereira de Oliveira – Enfermeira, Especialista em Saúde Pública pela UFRGS, Diretora do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (SERGS) – Assuntos de Gênero Raça e Diversidade Sexual e Presidenta da Associação de Enfermeiros do HCPA gestão 2019-2021