A Covid-19 pode ser considerada doença do trabalho no caso dos profissionais de saúde?

A doença ocupacional ou do trabalho é aquela originada em razão de condições especiais ou excepcionais em que as atividades profissionais são realizadas, ou seja, embora o empregado possa adquirir determinada doença em qualquer meio ambiente, o local de trabalho pode gerar um risco maior para o seu surgimento.

Para bem exemplificar, patologias como tuberculose, febre amarela, hepatites e meningites virais ou mesmo a dengue, são vírus que se disseminam pelo ambiente e podem infectar pessoas em qualquer lugar; no entanto, o profissional de enfermagem que trabalha em hospitais, postos, clínicas e afins, justamente por atuar no contato direto com doentes, muitos deles apresentando tais agentes biológicos, apresentam um potencial bem maior de contaminação que a grande maioria das pessoas.

É por isso, inclusive, que as citadas doenças constam no rol de doenças relacionadas ao trabalho do Ministério da Saúde (1) e, portanto, em tese, caso o profissional de enfermagem que trabalhe em contato com esses agentes biológicos apresente resultados positivos para tais moléstias, o nexo provável é que o contato se deu no local de trabalho, caso não se identifique alguma contaminação por fator diverso e específico, como doença de um familiar ou surto em determinada região de moradia.

É importante registrar que a listagem das doenças constantes no Decreto citado não é taxativo, apenas exemplificativo, isto é, também é possível o enquadramento como acidente de trabalho de doenças, mesmo quando o agente biológico não consta da relação, bastando que haja nexo entre a contaminação e as condições em que o trabalho foi exercido.

Nesse sentido, a Covid-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo vírus SARS-COV-2, de elevada transmissibilidade e disseminado pelo mundo. É também considerado um “tipo” de agente biológico e, portanto, mais que presumível ser considerada doença do trabalho, já que a contaminação se dá pelo ar ou por contato direto com pacientes infectados e objetos de seu uso.

Em março de 2020, com a publicação da Medida Provisória nº 927/2020, o governo pretendeu, no artigo 29, afastar a natureza ocupacional da contaminação, condicionando-o à prova de comprovação do nexo causal, gerando grande reação de diversos segmentos da sociedade, que entraram com medidas judiciais e conseguiram a suspensão desse entendimento no STF. Alguns meses depois, a Medida em questão perdeu a validade e o dispositivo que gerou conflito não foi renovado.

Tendo em vista o acalorado debate que surgiu a partir desse artigo, em 11 de dezembro de 2020, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, ligada ao Ministério da Economia, emitiu Nota Técnica acerca da Covid-19 (2), de cunho orientativo para a realização das perícias médicas do INSS, reconhecendo que a patologia em questão pode ser considerada como doença ocupacional. Porém, seja pelas condições de trabalho especiais ou, então, por contaminação acidental no exercício da atividade, a Nota refere que o nexo não será presumido, ou seja, a perícia médica federal é que deverá caracterizar tecnicamente a identificação deste nexo entre o trabalho e o agravo.

Em síntese: a Covid-19 pode ser considerada doença do trabalho ou ocupacional nos casos de contaminação de trabalhadores da área de saúde e, ao contrário do entendimento da Nota Técnica, consideramos, com base em vasta legislação e jurisprudência (3), que o nexo com a atividade exercida é presumido.

Portanto, quando o empregado recebe o resultado positivo do exame – e não há outra explicação para sua contaminação que não o ambiente onde presta serviços – deve solicitar ao empregador que seja expedida Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT.

Ainda, se os sintomas da doença persistirem ou, então, se verificarem sequelas que impeçam o trabalhador de retornar ao trabalho, a partir do 15º dia ele deverá ser encaminhado ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para submeter-se à perícia e, assim, ter a possibilidade de afastar-se para gozo de benefício previdenciário de natureza acidentária (B91).

Após o retorno às atividades, é garantido ao empregado que foi contaminado pela COVID-19 e necessitou afastamento pelo INSS, estabilidade no emprego durante 12 (doze) meses, não podendo ser desligado do trabalho, à exceção de cometimento de falta grave.

Caso o empregador se negue a expedir a CAT mencionada, o empregado poderá solicitar ao Sindicato de sua Categoria que esta seja elaborada ou pode ele próprio, através do site do INSS, preenchê-la e fazer o devido protocolo.

Não se pode deixar de mencionar que, mesmo nos casos em que o profissional de saúde não tenha o documento referido e, ao passar por perícia técnica, lhe seja concedido benefício de natureza comum, sem enquadramento como acidente de trabalho (B31) – que, diga-se, tem valor inferior ao benefício de acidente de trabalho – poderá requerer administrativamente a conversão para acidentário de forma administrativa ou judicial.

Por fim, mesmo sem reconhecimento do empregador e do INSS de que a contaminação foi ocasionada em razão dos riscos presentes nas atividades exercidas, caso seja desligado dentro do período de 12 (doze) meses após seu retorno ao trabalho, poderá pleitear judicialmente sua reintegração ao emprego.

Dayana Pessota Leite é advogada na área do Direito Trabalhista e faz parte da equipe do escritório Paese, Ferreira Advogados Associados, da assessoria jurídica do SERGS. 

 

Referências:

  1. Decreto 3.048/1999
  2. https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2020/sei_me-12415081-nota-tecnica-covid-ocupacional.pdf
  3. Artigos 19 e 20 da Lei 8.213/91

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