Heróis invisíveis, uni-vos
No último dia deste 2020 tão difícil para todos nós, terminamos com a triste notícia da morte da enfermeira Eva Julia Vieira Oliveira, que trabalhava na UPA Moacyr Scliar, em Porto Alegre, vítima da Covid. Mais uma vida perdida, mais uma trabalhadora da saúde que perdemos, mais um ser humano que era o amor, a filha, a irmã, a cunhada, a amiga, a mãe de alguém.
Somos invisíveis, somos os “heróis” que rendem manchetes e prêmios de acreditação, mas que ninguém tem interesse em notificar e quantificar. Somos a mão de obra barata, o gado que vai para o matadouro sem piso, sem regulamentação de jornada, sem dimensionamento adequado, sem local de descanso e, pasmem, com a conivência de muitos colegas.
O discurso de que somos heróis é uma falácia, nos aplaudem nas janelas, nos exaltam em matérias e nas publicações dos sites institucionais para ganhar pontos nas acreditações, usam os profissionais da saúde escancaradamente nas instituições.
E quando a imprensa questiona sobre o número de colegas contaminados e óbitos pela Covid, não temos como informar porque não existe testagem e, portanto, há subnotificação.
Muitos gestores argumentam em um discurso hipócrita: “Vocês escolheram essa profissão então como soldados que vão para guerra sabem que podem morrer”. Realmente os profissionais da saúde fazem, sim, um juramento, mas nele está que vamos trabalhar para a saúde da população e não praticar o suicídio.
Na prática, as instituições negam testagem dos profissionais e não querem fazer a Comunicação por Acidente de Trabalho (CAT) quando a contaminação é confirmada. Os profissionais ainda são obrigados a ouvir de seus gestores que, apesar de passar 12h ou até 18h dentro do seu local de trabalho, não há como comprovar que aconteceu lá a contaminação. Querem discutir o nexo causal, ou seja, provar que o profissional foi contaminado no ambiente de trabalho.
Meu coração de enfermeira, presidenta eleita do SERGS, representando 26 mil enfermeiras do Estado do RS, que atua também no Fórum Nacional da Enfermagem, sofre muito com tudo isso. Fico me perguntando quantos teremos que enterrar para que a consciência coletiva deixe de negar e passe a reconhecer que o mais importante é a vida, e que ela é o nosso bem maior, e que sem a vida não podemos buscar nada.
A inversão de valores imposta na sociedade atual é desumana, a lógica do mercado e do lucro em detrimento da vida está nos levando a um genocídio, em que o valor do ser humano é negligenciado.
Por isso, mais do que nunca na história, a enfermagem precisa estar unida na luta pela vida e pelos direitos da nossa profissão. Neste primeiro dia deste 2021, conclamo todas as enfermeiras e enfermeiros do RS para nos somarmos na luta por mais respeito à vida e valorização. E que a vida de Eva Júlia e de todos os demais colegas que partiram por conta deste vírus não tenha sido em vão.
– aplausos + valorização + respeito #pisosalarialjá #30horasjá
Cláudia Franco
Presidenta do SERGS